segunda-feira, 19 de setembro de 2011


Hoje é postar algo que acordou comigo
batendo nos meus umbrais ;D



Edgar Allan Poe
Tradução de Fernando Pessoa (1924)

 
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
     É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
     Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo:
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
     É só isto, e nada mais."
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, de certo me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo
Tão levemente, batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
     Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais,
     Isto só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.
Meu coração se distraia pesquisando estes sinais.
     É o vento, e nada mais."

domingo, 17 de julho de 2011

Pra não me aprofundar.








"O que "curto" é curto demais para você
Pequeno demais para nós
Dedico-me a arte de dedicar
Saborear o que não veem
Vermifugar o belo, e o feio, e o a sós 
Traçar o manejo de não se aprofundar"


(A.C.)

quinta-feira, 30 de junho de 2011

O Perfume - A história de um assassino





Doía-lhe a imagem viva da paisagem , ofuscante, fazia-lhe mal ver com os olhos. Só a luz do luar lhe agradava. A luz do luar não conhecia cores e só vagamente assinalava os contornos do terreno. Ela percorria o campo cinza-sujo e por uma noite estrangulava a vida. Esse mundo como que fundido em chumbo, no qual nada se mexia exceto o vento, que às vezes caía como uma sombra sobre as matas cinzentas e no qual nada vivia exceto os odores da noite desnuda, era o único mundo que ele permitia que reinasse, pois parecia com o mundo de sua alma.
(O Perfume - A história de um assassino)

terça-feira, 17 de maio de 2011

Morre só

"De tons aveludados, avermelhados,
cristalizam a penumbra dos olhos
de pingar a pingar, ressoam ao tom do mar
e que se ficam sem rimar, colocam-se a remar
e ramando, e só assim caem ao chão numa faca
avermelhados, aveludados, deslizam sobre
a manta dos cabelos, assemelha-se a um rego
d'agua, que por nua de porta fechada
morre só."
(A.C.)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Grisalhos de pó a pó


"Mas é um belo passeio nas acácias e aloeveras.
São só passaros e abelhas, sem telhas nem telhados,
nem molhados que se dizem só; tampouco grisalhos que
vivem de pó a pó . Não há três pessoas que dizer ter
dó, sem ter alguem que sinta na gargarta um nó.
Não há mais."


(A.C.)